Vacinação contra dengue em Brasília — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Iniciada há cinco meses,a vacinação contra a dengue com o imunizante da farmacêutica Takeda no Brasil,embora muito desejada,coleciona uma série de percalços. A falta de doses suficientes para abranger todo o público elegível à vacinação e uma distribuição inicialmente considerada confusa pelos especialistas foram os tropeços iniciais. Um novo desafio,porém,se avizinha: com a lei das eleições,desde 6 de julho,a comunicação das prefeituras deve ser bastante controlada para evitar campanhas indevidas direcionadas às eleições que ocorrem em outubro. Com a mudança,especialistas em saúde avaliam que o alcance das informações que dizem respeito à imunização também sofra impacto negativo. Isso porque as prefeituras têm apagado os próprios perfis das redes sociais ou retirado informações de seus sites oficiais para não ferir a legislação.
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Tome-se,por exemplo,a cidade de São Paulo. A capital paulista estava desabastecida de imunizantes para oferecer a segunda dose da vacinação às crianças e adolescentes que já receberam a aplicação inicial há três meses ou mais. Conforme informou ao GLOBO,a prefeitura recebeu novas aplicações encaminhadas pelo Ministério da Saúde na última quinta,dia 11,mas até o fim do dia de sexta não havia informativos nas redes sobre o tema. No site oficial da gestão municipal,o conteúdo só é encontrado após buscas de palavras-chave como "vacinação" e "dengue"— pois tanto a primeira página quanto a aba de notícias é tomada por banners que explicam que o conteúdo será moderado em respeito à legislação eleitoral.
— Os pacientes ainda têm muitas dúvidas sobre essa vacinação. Há confusão na informação sobre a faixa etária nas vacinas,disponibilidade na rede pública ou privada. Por exemplo,na rede pública há autorização para que se vacine até os 59 anos de idade (quando houver doses disponíveis),mas um médico,por sua vez,poderia utilizar de sua autonomia médica para orientar que uma pessoa com mais idade receba essa aplicação na rede privada — avalia Alexandre Naime Barbosa,médico infectologista e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp). — Infelizmente,essa vacinação tem problemas grandes: houve falta de doses e também a dificuldade de interações por parte das esferas estaduais,municipais e a esfera federal.
Entre as dificuldades deflagradas pelo novo imunizante,há o entendimento de quem poderia (ou não) tomar as doses. Em São Paulo,no Rio e Porto Alegre,a vacinação é liberada para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. Em Goiânia,de 6 a 16 anos. Campo Grande também chegou a vacinar a população de 6 a 16 anos,mas o texto informativo do site oficial da prefeitura saiu do ar,como todos os outros conteúdos que possam ferir a lei das eleições. A vacinação para esse público expandido,em Campo Grande,dizia respeito ao uso estratégico de doses prestes a vencer. Encerrado esse lote,voltou-se ao público de 10 a 14 anos. Porto Velho,por outro lado,nem mesmo recebeu aplicações até agora.
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Em outra mão,o Ministério da Saúde ainda autorizou que doses prestes a vencer fossem utilizadas em um público ainda maior,de 4 a 59 anos. Procurada,a pasta diz que neste momento há,em todo o país,somente 1,2 mil vacinas com vencimento previsto até o final do mês. Ou seja,embora tenha ocorrido um amplo anúncio,somente um número reduzido de brasileiros fora da infância e adolescência terão acesso a essas aplicações (cerca de 650 pessoas).
— No caso dessa vacinação,foram elencadas apenas algumas cidades para imunização,por falta de doses para expandir a todas. O Ministério da Saúde não poderia fazer uma campanha nacional que fosse específica para apenas algumas localidades,ficou a cargo dos municípios. Teria que ser uma comunicação bastante localizada e focada nos públicos-alvo,do contrário a população não entende. A comunicação foi fragmentada e praticamente não existiu. — avalia o infectologista Julio Croda,pesquisador da Fiocruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). — O que observamos é que falta comunicação,a população desconhece que existe essa vacina,o que ela protege e qual seu público-alvo de uso.
Croda ainda destaca que um trunfo da vacina contra a dengue é desconhecida por ampla parte da população: sua capacidade de proteger não só os óbitos pela doença,mas também a prevenção de casos sintomáticos da infecção.
— A informação não chegou na ponta — lamenta Croda.
Alberto Chebabo,presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI),avalia que há mais um degrau de dificuldade considerando-se a vacina da dengue,além de ainda ser uma estreante no cenário brasileiro. A vacina é dedicada a um grupo que,tradicionalmente,não faz consultas recorrentes ao médico,como ocorre com as crianças mais novas e brasileiros com idade mais avançada.
— Aqui no Rio,a rede tem disponibilidade de vacina. A população de adolescentes é a mais difícil de se vacinar pois não está incluída em acompanhamento médico,apesar de ter hebiatra ou pediatra em alguns casos. Em geral,esses meninos e meninas estão mais soltos na rede pública e rede privada,do que as crianças,idosos e adultos — avalia o especialista. — É o mesmo desafio que enfrentamos com a vacina de HPV. E,desde o começo,soubemos que seria difícil chegar com essa imunização da dengue. É preciso ir até esse público. A campanha foi ruim,com pouca interação das pessoas
No atual momento de vacinação ainda é necessário esperar que o Ministério da Saúde,tão logo tenha disponibilidade de doses,amplie a faixa etária de aplicações. Isso porque a rede privada segue com restrições de aplicação de doses,uma vez que todo suprimento disponível de vacinas tem ido ao Sistema Único de Saúde (SUS). Em nota,a farmacêutica informou que a Takeda tem “empenhado esforços para atender a demanda pela segunda dose da população que já recebeu a primeira dose na rede privada”.
Sobre a produção no país,a Takeda disse que está “fortemente comprometida em buscar parcerias com laboratórios públicos nacionais para acelerar a capacidade de produção da vacina,alinhada às diretrizes do Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS) e ao propósito do Ministério da Saúde relacionados aos princípios de integralidade e da universalidade”.
Procurado para falar sobre o volume de aplicações de vacinas no Brasil,o Ministério da Saúde afirmou que aplicou pouco mais de 1,6 milhão de doses de vacina,abrangendo 1.920 municípios do país. Também afirmou que mais de 191 mil vacinas foram entregues à São Paulo na semana passada. Até julho,o Brasil registrou o número recorde de 6,1 milhões de casos de dengue somente em 2024. Trata-se do maior volume de casos na história.
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