David Keith,professor do departamento de ciências geofísicas da Universidade de Chicago,nos EUA — Foto: Mustafa Hussain/The New York Times
GERADO EM: 19/08/2024 - 04:01
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De seu apartamento com paredes de vidro no 57º andar com vista para Chicago,David Keith consegue ver o céu inteiro. Quando o visitei lá em um dia claro neste verão americano,o azul claro se estendia da superfície do Lago Michigan até a borda do espaço.
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É lá em cima,na estratosfera,que Keith,quer alterar a própria composição do ar.
Ele acredita que,ao liberar muitas toneladas de dióxido de enxofre a aproximadamente 20 quilômetros acima do solo,seria possível refletir parte da energia do sol para longe da Terra. Fazer isso efetivamente diminuiria o termostato do planeta,desacelerando o aquecimento global. É uma jogada audaciosa e repleta de controvérsia.
Eu tinha ido a Chicago para falar com Keith sobre essa tecnologia proposta,que é conhecida como geoengenharia solar estratosférica. Embora possa parecer coisa de ficção científica,propostas ambiciosas para alterar o clima do planeta estão sendo cada vez mais levadas a sério,à medida que os efeitos do aquecimento global se tornam mais agudos.
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Já há grandes esforços em andamento para sugar dióxido de carbono do ar. Experimentos para clarear nuvens a fim de desviar a energia do sol também estão sendo realizados.
Keith é uma figura intelectual de destaque no movimento de geoengenharia. Ele publica artigos científicos sobre o assunto há mais de 30 anos.
Quando o cofundador da Microsoft,Bill Gates,quis aprender sobre tecnologia climática,ele pediu a Keith para liderar uma série de reuniões para ele. Keith então abriu uma empresa,a Carbon Engineering,que desenvolveu um processo para retirar dióxido de carbono do ar. A empresa foi adquirida pela Occidental Petroleum no ano passado por US$ 1,1 bilhão (cerca de R$ 6 bilhões na atual cotação do dólar),entregando a Keith um lucro pessoal de US$ 72 milhões (aproximadamente R$ R$ 3,9 bilhões).
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Ele se mudou da Universidade de Calgary para Harvard e agora para a Universidade de Chicago,o que lhe permite contratar 10 novos professores e iniciar um novo programa de geoengenharia de US$ 100 milhões (R$ 540 milhões).
Críticos da geoengenharia solar dizem que até mesmo pesquisá-la é perigoso. Eles argumentam que,se implantada,a tecnologia pode desencadear consequências não intencionais,como interromper as monções da Índia. Eles argumentam que isso dá às pessoas a falsa impressão de que será possível parar o aquecimento global sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. E eles se preocupam com o que aconteceria se a geoengenharia solar começasse e terminasse repentinamente,causando um pico nas temperaturas mundiais.
Esses são apenas alguns dos cenários explorados em algumas das ficções científicas populares que usaram a geoengenharia solar como ponto de enredo. Na série “Expresso do Amanhã”,o mundo é lançado em uma era glacial após o sol ser bloqueado. No romance “Choque de Terminação”,um bilionário do Texas inicia um esforço desonesto para semear a estratosfera com dióxido de enxofre,desencadeando uma reação em cadeia de confrontos geopolíticos. E em outro romance,“Ministério para o Futuro”,os militares indianos iniciam a geoengenharia solar após uma onda de calor mortal atingir o país.
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Em uma série de entrevistas,Keith disse que acredita que os riscos não são tão severos quanto retratados pelos críticos,embora sejam ofuscados pelos benefícios potenciais. Se a geoengenharia solar desacelerasse o aquecimento do planeta em apenas um grau Celsius ao longo do próximo século,ele disse,isso poderia ajudar a prevenir milhões de mortes relacionadas ao calor a cada década.
— Certamente há riscos,e certamente há incertezas — disse Keith. — Mas há realmente muitas evidências de que os riscos são quantitativamente pequenos comparados aos benefícios,e as incertezas simplesmente não são tão grandes — complementou.
Apesar dos riscos potenciais,o interesse na geoengenharia solar está ganhando força. Ela está sendo estudada pelo Fundo de Defesa Ambiental junto com o Programa Mundial de Pesquisa Climática,um esforço científico internacional. A União Europeia pediu no ano passado uma análise completa dos riscos da geoengenharia e disse que os países deveriam discutir como regular uma eventual implantação da tecnologia.
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Keith tentou realizar um experimento de geoengenharia solar enquanto estava em Harvard,mas esses esforços foram frustrados por protestos públicos liderados por povos indígenas. Embora Harvard não tenha planos de tentar outro experimento de campo,Keith espera que seu novo programa em Chicago continue o trabalho.
Tudo isso sugere que,embora a geoengenharia solar estratosférica possa não ocorrer em larga escala tão cedo,a ideia está saindo do reino da ficção científica e entrando no "mainstream".
— Embora ainda haja muitas vozes individuais fortes de oposição,há muitas pessoas em posições políticas sérias que estão levando isso a sério — afirmou Keith. — E isso é realmente emocionante — finalizou.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro