Bráulio Borges é economista,pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da LCA Consultores — Foto: Divulgação
GERADO EM: 27/11/2024 - 23:21
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
O “cálculo político” do governo federal,de juntar no anúncio das medidas para conter o crescimento de despesas a reforma do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF),com isenção para quem ganha até R$ 5 mil por mês,foi um “erro crasso”,segundo Bráulio Borges,economista sênior da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Medidas: Governo inclui pente-fino no BPC e no Bolsa Família em pacote fiscalAnálises: Impacto de medidas para conter gastos pode ficar aquém do necessário e mudança no IR preocupa,dizem economistas
Apesar da falta de detalhamento,o impacto de R$ 70 bilhões em dois anos do pacote anunciado é elevado,mas a equipe econômica não poderá “capitalizar” em cima disso,porque terá que explicar como compensar a desoneração do IRPF.
Para o economista,as medidas de contenção dos gastos parecem mirar mais no curto prazo,2025 e 2026,do que no equilíbrio de longo prazo,diferentemente do que defendeu num artigo,publicado em abril,que seria depois recomendado pelo ministro da Fazenda,Fernando Haddad,em um post nas redes sociais. A seguir,os principais trechos da entrevista:
Limites: Governo vai propor proibição de novos benefícios tributários em momentos de déficit fiscal,diz Haddad
O que mais chamou a atenção nas medidas anunciadas?
Certamente o que mais chamou a atenção foi a falta de detalhamento. A falta de detalhamento em si é muito ruim. Até entendo que para fazer o pronunciamento à nação,você não vai lá detalhar,mas nada impedia que,junto do pronunciamento,fosse divulgada uma apresentação detalhando um pouco melhor as medidas para cobrarmos alguns esclarecimentos. Ainda mais que tem uma coisa nova que surgiu,essa estória de juntar no pacote de contenção de despesas a desoneração do IRPF.
O ministro Fernando Haddad,durante pronunciamento de rádio e TV ontem — Foto: Reprodução
Foi ruim misturar a reforma do IRPF com o pacote de contenção de gastos?
É algo contraditório com o esforço que o governo tá fazendo para cumprir as metas fiscais. O governo disse que vai tentar compensar essa renúncia de receita de 45 bilhões (conforme uma média de cálculos já feitos sobre a medida de isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês),mas ele não falou como vai compensar.
Foi anunciado que a reforma do IRPF não teria impacto nos gastos porque vão cobrar mais de quem ganha mais,mas isso não basta?
Se o governo depender de medidas no Congresso para financiar esses R$ 45 bilhões,quem garante que ele vai conseguir aprovar isso no Congresso? São sinais contraditórios para quem está tendo dificuldade de cumprir as metas fiscais. Não é que a gente está lá cumprindo com folga as metas fiscais. E pode surgir o temor,até justificado,de parte dos analistas do mercado,de que a desoneração vem agora e a compensação vem só depois,com o risco de não ser aprovada pelo Congresso.
Parece ter havido um cálculo político em juntar a reforma do IRPF no pacote. Foi arriscado?
Acho que foi um cálculo ruim,porque está olhando para boa parte da população,mas ignora toda essa estresse financeiro que vem nos acometendo já há muitos meses.
Qual o risco de ignorar esse estresse?
O risco é enorme,porque as condições de contorno mudaram muito,com a eleição do (presidente Donald) Trump nos Estados Unidos. Hoje,a margem para a política econômica doméstica cometer erros e fazer bobagens é bem menor. Estamos adentrando um mundo de dólar mais forte,de maior instabilidade política e geopolítica. E dólar forte com maior incerteza e instabilidade quer dizer risco maior,juro maior para todo mundo.
Do lado da moderação dos gastos,mesmo sem detalhamento,as medidas foram suficientes?
Todas as atenções vão estar voltadas para essa estória de como financiar a desoneração do IRPF. Até nesse sentido,ter juntado as duas coisas foi ruim. O governo perdeu a oportunidade de capitalizar em cima dos R$ 70 bilhões. É um valor alto,tinha muita gente no mercado cético com relação a isso. O governo poderia capitalizar em cima disso,mas como o pacote veio junto com essa outra medida no IRPF,até certo grau contraditória,vai ter que ficar se explicando. Achei que foi um erro crasso.
No lado das despesas,você já publicou estudo defendendo mudar as regras de vinculação dos gastos de saúde e educação,de forma estrutural. Limitar os reajustes do salário mínimo basta?
Na verdade,essa estória do salário mínimo vai ajudar bastante um ano específico,que é 2026,porque o PIB deste ano vai crescer uns 3,5%,e o (crescimento do) PIB deste ano determinaria o reajuste real do salário mínimo de 2026,na regra atual. Com a nova regra que está sendo proposta,provavelmente o reajuste real do salário mínimo em 2026 vai ser de uns 2%. Então,isso alivia bastante o ano de 2026,e dá uma coerência maior ao arcabouço,mas,ainda assim,não resolve todos os problemas. Por exemplo,nada veio no anúncio das vinculações de despesas a receitas,na saúde e educação.
Por isso é insuficiente?
Na verdade,o pacote é para cumprir o arcabouço até 2026. Aí,em 2027,seja o governo atual reeleito,seja um novo governo,vamos ter que rediscutir a regra fiscal de novo. O governo só está evitando com essas medidas que a gente tenha um shutdown (fechamento do governo),principalmente em 2026.
O efeito econômico de isentar o IRPF não é positivo?
O momento atual não é para política fiscal ser expansionista. A economia brasileira,de fato,estava com excesso de desemprego,entre 2015 e até o começo deste ano. Nesse contexto,de uma economia abaixo do pleno emprego,fazia sentido a política fiscal ser expansionista.
Agora,a gente já está mais para o outro lado. No fim do ano,estamos vendo indícios cada vez mais evidentes de superaquecimento da economia brasileira. A política fiscal anticíclica,como muitos defendem,tem que ser anticíclica nos dois lados do ciclo. Quando a economia vai mal,você estimula,quando a economia está neutra ou superaquecida,a política fiscal pisa no freio.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro