O ex-presidente dos EUA e candidato republicano à Casa Branca,Donald Trump,durante a Convenção Nacional Republicana — Foto: Joe Raedle/Getty Images/AFP
GERADO EM: 19/07/2024 - 04:30
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A Convenção Republicana terminou na madrugada desta quinta-feira com Donald John Trump,de 78 anos,pela terceira vez consecutiva escolhido candidato à Presidência por uma base em êxtase com a crescente vantagem nas pesquisas. E uma palavra raramente mencionada: a democracia.
Estratégia central da campanha de reeleição,a argumentação de que o voto em seu antecessor seria um passe livre ao autoritarismo — ilustrado com tintas mais fortes pela tentativa de manipulação dos resultados pelo então presidente após sua derrota para Joe Biden em 2020 e a invasão do Capitólio por hordas trumpistas em janeiro de 2021 — foi solenemente ignorada no Fiserv Forum. Menos de uma semana após a tentativa de assassinato do ex-presidente,durante um comício na Pensilvânia,seus correligionários em Milwaukee sequer se preocuparam em elaborar resposta à retórica central dos adversários.
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Ao contrário,usaram o ato de violência política para virar a discussão pelo avesso: teriam sido os governistas que,ao denunciar ações e falas do adversário,defender seu escrutínio pela Justiça e tentar impedir até sua presença na cédula eleitoral,estimularam um extremismo alienígena à democracia americana. E seriam,assim,responsáveis diretos pelo horror do último sábado.
“Antidemocrático é o outro lado,que não queria deixar Trump nem concorrer. Perderam a discussão na pré-campanha,com as decisões da Suprema Corte,e serão derrotados novamente em novembro,nas urnas,como manda a democracia”,afirmou a jornalistas,em uma das poucas citações à ausente ilustre,o deputado Kevin McCarthy,ex-presidente da Câmara.
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A frase e o personagem dão o tom da convenção e revelam a capacidade da campanha de Trump este ano de transformar adversidades em seu benefício. São duas as decisões da Suprema Corte mencionadas pelo deputado da Califórnia,que no fim do ano passado foi escorraçado do comando da Câmara por colegas de extrema direita,deixando-a acéfala pela primeira vez na História dos EUA. Uma vetou a estados,entre eles o Colorado,a possibilidade de não incluir Trump — justamente por atentar contra a democracia americana — em suas cédulas. A outra determinou que ex-presidentes,como o republicano,desfrutam de imunidade para “atos oficiais” quando no cargo. Na prática,escreveu a juíza Sonia Sotomayor,progressista,em dura reação oficial da minoria,“transformou-se o presidente em rei”.
O atentado que quase tirou a vida de Trump não garantiu ao ex-presidente o direito divino ao poder. Ele ainda terá de derrotar em novembro Biden,cada vez mais fragilizado,ou outro candidato democrata se líderes do partido conseguirem convencê-lo a deixar a corrida presidencial.
Mas,na convenção,o ex-presidente foi saudado,por mais de um orador,como o “leão americano”,misticamente predestinado a vencer a morte para concluir a transformação do país. Nem a escolha do animal é acaso. A imagem,bíblica,é a do bicho forte,em contraposição à decadência do democrata de 81 anos.
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A percepção interna,dizem veteranos batedores de ponto de eventos desse tipo,como o estrategista republicano John Osborne,é de que a vitória está assegurada. Não só a unção no discurso desta quinta-feira,mas também o voto em novembro,são percebidos como momentos já desenhados em uma corrida democrática,mas com fim traçado neste julho.
A arrogância detectada por Osborne,que participou das campanhas de Trump em 2016 e 2020,ainda que calcada na realidade da corrida,também pode ter consequências diretas para a democracia americana. Ao ser lembrado da derrota da senadora Hillary Clinton para o próprio Trump em 2016,quando a ex-primeira-dama era a favorita absoluta,o militante Joseph Graylish,53 anos,motorista de táxi que vive em um subúrbio de Milwaukee,respondeu sem titubear:
— Só se roubarem de novo. Mas agora ficaria ainda mais escancarado. Que democracia é essa?
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Uma sem Justiça Eleitoral e em que o voto em determinadas unidades da federação vale mais,na prática,do que em outras. Mas que também é,ao mesmo tempo,ciosa da seriedade nos processos de apuração e fiscalização. Em unidades comandadas por republicanos em 2020,como Geórgia e Flórida,investigações sobre possíveis fraudes terminaram negando-as peremptoriamente.
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Trump cai do palco durante comício na Pensilvânia com sangue no rosto e após disparos serem ouvidos — Foto: The New York Times
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Trump cai do palco durante comício na Pensilvânia com sangue no rosto e após disparos serem ouvidos — Foto: The New York Times
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O Serviço Secreto atende o candidato republicano à presidência,o ex-presidente Donald Trump,no palco em um comício na Pensilvânia — Foto: AFP/Getty Images/ Anna Moneymaker
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Trump cai do palco durante comício na Pensilvânia com sangue no rosto e após disparos serem ouvidos — Foto: The New York Times
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Trump cai do palco durante comício na Pensilvânia com sangue no rosto e após disparos serem ouvidos — Foto: The New York Times
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Trump fica ferido em comício na Pensilvânia — Foto: Reprodução
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Trump cai do palco durante comício na Pensilvânia com sangue no rosto e após disparos serem ouvidos — Foto: AFP/Getty Images/ Anna Moneymaker
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TruTrump cai do palco durante comício na Pensilvânia com sangue no rosto e após disparos serem ouvidos — Foto: AFP/Getty Images/ Anna Moneymaker
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Trump cai do palco durante comício na Pensilvânia com sangue no rosto e após disparos serem ouvidos — Foto: AFP/Getty Images/ Anna Moneymaker
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Publicidade Ex-presidente dos EUA foi socorrido por seguranças
O que não impediu a trumpista Kari Lake,candidata ao Senado este ano no Arizona,afirmar do palco da convenção que uma lei fora aprovada no Congresso nos anos Biden estendendo a imigrantes em situação irregular o direito ao voto. Isso jamais aconteceu. Sua mentira,no entanto,foi secundada por outros oradores e oferece mais um argumento falso a eventuais negacionistas.
Convenções partidárias,são,por definição,celebrações de um lado do jogo político. Em Milwaukee,buscou-se subverter até mesmo essa premissa. Foco do discurso de Trump e dos quatro dias de autocelebração,o “pacto nacional” proposto pelo candidato imediatamente após quase perder a vida incluía figuras como o ex-presidente da Câmara McCarthy e destaques do partido que ousaram enfrentá-lo no passado,entre eles os senadores Ted Cruz e Marco Rubio,a ex-embaixadora Nikki Haley e o governador Ron DeSantis.
Mas se traduziu de fato em chamamento,orador após orador,a uma América mais única do que unida. E com vilões nítidos,excluídos da encarnação populista,nacionalista e cristã proposta do sonho democrático,melhor explicitada no fraco discurso do candidato a vice,o senador J.D. Vance,de 39 anos: imigrantes sem documentos,as “elites de Wall Street”,a “burocracia corrupta de Washington” e a comunidade internacional,necessariamente atrás na fila de oportunidade comandada pela “América à frente”,um dos gritos de guerra mais repetidos no evento. Os outros foram,além dos óbvios “Trump” e “USA”,“Construam o muro” (na fronteira com o México) e “Lute”,em referência à fala de Trump imediatamente após ter escapado por pouco na Pensilvânia.
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Camisas,bottoms e bandeiras com a imagem de um Trump desafiador,punho erguido,polaroid de sua reação imediata ao atentado,multiplicaram-se das mãos de camelôs já na segunda-feira. Transformaram-se no souvenir central da festa e em símbolo,para os republicanos,da vitória da democracia americana contra a intransigência autoritária do lado de lá da disputa. Na mesma quinta-feira em que Trump fechou a convenção,o New York Times destacou em suas redes sociais imagens que resumiam os anos Trump na Casa Branca.
Com o título “O primeiro mandato de Donald Trump é um alerta”,sucediam-se imagens da invasão do Capitólio,do veto à entrada de cidadãos de países do mundo islâmico nos EUA,do fim do direto ao aborto,das marchas de supremacistas brancos com bandeiras da Confederação sulista,do corte de impostos às corporações com o déficit fiscal à altura,da separação de famílias de imigrantes sem documentos,do ataque às regulações das agências ambientais e à comunidade trans,do desastre do enfrentamento à pandemia de Covid-19,dos dois processos de impeachment. O avesso,neste caso,era o da nostalgia de um tempo vendido,como se esperava,muito menos sombrio na convenção.
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Mas no saguão do Fiserv Forum,não se lê o jornal “da elite da Costa Leste”. A condenação e os processos contra Trump na Justiça não são percebidos como atestado de igualdade cidadã,mas de perseguição política. E outro símbolo inequívoco da convenção revela mais do que a brincadeira de gosto duvidoso em carnaval fora de época e lugar pode sugerir. Curativos na orelha direita,como o de Trump,passaram a ser usados por militantes no evento como prova de fidelidade ao líder e sinal de identificação dos que,afirmam,se comprometeram em “resistir ao avanço autoritário”. A militância e as cabeças coroadas do partido celebraram alto e de forma triunfal a força trumpista em Milwaukee. Mas também saíram mais surdos para o que diz o outro lado,exercício essencial para a saúde da democracia.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro