Bolsistas enfrentam preconceitos em escolas privadas — Foto: Divulgação
GERADO EM: 09/09/2024 - 03:30
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
LEIA AQUI
Sucessivos xingamentos e um bilhete homofóbico de alunos do Legacy School,escola particular na Zona Oeste do Rio,levaram a família de um estudante de 15 anos a fazer um registro de ocorrência. No pedaço de papel,que circulou entre colegas da turma em junho,a vítima foi chamada de “nojento”,“boiola”,“estranho” e “pobre”. Segundo a mãe,que pediu para não ser identificada,a decisão de procurar a polícia resultou da inércia do colégio em coibir o bullying na instituição e do medo de o filho ser agredido fisicamente por ser negro e gay. A escola nega omissão.
Antônio Góis: Paralimpíada de Paris é propícia para refletirmos sobre políticas de inclusão no país
A omissão inicial diante de casos de bullying,racismo,homofobia e até segregação dos bolsistas é uma das principais denúncias que recaem sobre escolas particulares que lidam com essas situações. Segundo pais,alunos e especialistas em educação,o preconceito se dissemina devido à falta de preparo para lidar com os episódios e à ausência de representatividade e conscientização nas unidades de ensino.
No caso da Legacy School,a instituição informou que reuniu os alunos envolvidos e seus familiares,“a fim de que todas as providências cabíveis à instituição de ensino fossem aplicadas”. O caso é acompanhado pela 42º Delegacia Policial,no Recreio.
— Sou lésbica. Já tive de correr muito na rua para não apanhar e não quero que meu filho passe por isso. Esses jovens que não recebem orientação sobre seus atos preconceituosos são os mesmos que futuramente podem bater em alguém — desabafa a mãe do estudante,que o transferiu de escola.
Em agosto,a família de um estudante de 14 anos também recorreu à polícia após o jovem ser alvo de injúria racial e homofobia de colegas no Colégio pH,na Zona Sul do Rio. As agressões começaram em maio do ano passado,em um grupo de WhatsApp. A vítima relatou que quatro meninas o chamavam de “viado” e dirigiam risadas e olhares em tom preconceituosos quando eram ditos termos como “preto” e “macaco”.
Bilhete de aluno com ofensas — Foto: Divulgação
A cópia de uma troca de mensagens mostra que uma das envolvidas enviou uma figurinha à vítima que dizia “gay não opina aqui”. A escola transferiu o estudante de turma e disse,em nota,que lamenta o ocorrido,“aplicou as sanções e tomou as medidas educativas necessárias”.
— Os ataques são recorrentes,meu sobrinho perdeu a vontade de estudar — afirma Sheila de Paula,tia do estudante.
Quando a escola não está preparada para receber alunos negros,LGBTQIA+ ou portadores de deficiências,o aprendizado e desenvolvimento psicossocial dos estudantes podem ser comprometidos,por falta de motivação e baixa autoestima,aponta Ana Paula Brandão,gestora do Projeto Seta,focado em educação antirracista.
— O grande ponto é evitar que episódios de preconceito aconteçam. Há a necessidade de a escola promover a formação continuada das equipes,da gestão,dos professores,e desempenhar atividades e conteúdos nas disciplinas que promovam a igualdade — explica.
Nas últimas semanas,ganhou força o debate sobre escolas privadas oferecerem atenção especializada a alunos pertencentes a grupos mais vulneráveis após um estudante do Colégio Bandeirantes,em São Paulo,se suicidar. O menino era bolsista e já havia se queixado de sofrer discriminação. A escola não quis comentar o caso.
Em Brasília,a Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima denunciou um caso de racismo em uma partida de futebol em abril. Alunos do Colégio Galois,também da capital federal,proferiram palavras como “macaco”,“filho de empregada” e “pobrinho”. Ambas são escolas privadas.
De acordo com a Nossa Senhora de Fátima,embora diversos responsáveis da outra instituição estivessem presentes,não foi tomada nenhuma providência adequada. Em nota,o Galois disse que foram feitos “levantamentos,escutas e reuniões” com consultores jurídicos e com os pais dos estudantes. Alguns dos alunos optaram por deixar a instituição e os que ficaram receberam “medidas pedagógicas éticas disciplinares”,como letramento em direitos humanos.
Para o presidente do Ponteduca,Gabriel Domingues,um dos meios de dissolver o caráter elitista das escolas particulares é o cumprimento efetivo do número de ofertas de bolsas de estudo,que abrange estudantes de classes sociais menos favorecidas.
— As escolas e famílias não devem enxergar as bolsas como caridade. A diversidade ajuda na formação. Precisamos superar o dado de que 92% das escolas incluídas na Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social,que exime as instituições de alguns impostos,estão irregulares — acrescenta Domingues.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro