Obra de Surina Mariana — Foto: Reprodução
GERADO EM: 13/11/2024 - 18:14
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A edição número 1 do “Sofá da Surina”,newsletter hospedada no Substack,é de 10 de março de 2021. Lá no fim do texto tem uma ilustração,feita pela Surina Mariana em janeiro daquele mesmo ano,que a deixou muito feliz e por essa razão foi dividida com os leitores. Sim,a Mariana escreve e ilustra. “Acho que o ordinário mágico que vem se forçando na minha vida aparece agora nos meus desenhos também”,conta ela no texto inaugural.
Os quase 100 relatos já publicados na forma de newsletter são sobre esse ordinário mágico que Mariana vivencia e divide com o leitor por meio da escrita contemplativa,que,segundo entendi,é parte de suas práticas do budismo. Os temas das publicações são variados: o que é real,inspiração,andar de bicicleta e meditação estão entre eles. Gosto especialmente dos que versam sobre os dias em que ela trabalha como garçonete em um restaurante pequeno,de cardápio enxuto e comida gostosa,em Amoreiras,interior de Portugal. É por lá que ela vive com o marido Lee e seus três gatos.
Além de recomendar a leitura da newsletter quero ir além. Esse desenho sobre o qual falei faz poucas linhas é a capa do “108”,livro que ela acaba de lançar. Dá para assinar a newsletter e ter informações sobre o livro em um link do instagram @surinamariana.
O título da obra é uma referência às 108 contas do japamala,o equivalente ao terço de oração dos budistas e é feito de 108 capítulos que contam a história de uma ex-funcionária pública concursada de Brasília que resolveu abrir mão da estabilidade para viver em um ashram budista e nunca mais voltou para bater cartão. Ashram é uma palavra em sânscrito que entre várias possíveis traduções quer dizer “prática espiritual continuada”. Costuma ser em um lugar remoto,próximo da natureza e ter um guru espiritual para iluminar as atividades ali praticadas.
Em sua iniciação na vida contemplativa,Mariana,a personagem do livro,passa pelo DF,Portugal,Índia. Qualquer semelhança com a Surina Mariana,pseudônimo de Mariana Carpanezzi,e autora do livro e da newsletter,não é mera coincidência. Trata-se de uma obra de auto-ficção,estilo cada vez mais popular em que a personagem central é uma versão cheia de licenças poéticas da autora. A obra é delicada,me tocou profundamente. E virou leitura para a qual pretendo voltar de tempos em tempos.
Conversei com Mariana por email e ela me contou que os eventos que a personagem vive no ashram são um compilado de experiências que ela teve,mas há sim um guru em um ashram no interior de Portugal,onde se passa parte da obra. É o Mooji,com quem ela aprendeu muito. Hoje,ela está mais próxima do professor Dzongshar Khyentse Rinponche,para quem,aliás,ela dedica o livro. Há outros mestres que inspiraram o personagem do guru do livro.
— O “108” foi uma forma de reverenciar todos os meus professores — diz.
Simplicidade e minimalismo,presentes nos textos védicos,são uma marca dos capítulos curtos de “108”,que contam como a personagem buscou fugir do sofrimento e lidou com perdas. Lá no capítulo 27,página 41 (o livro tem 163),Mariana começa a entremear a história da personagem com a trajetória de iluminação do Buda. Tem angustia,aflição,desamparo no caminho da personagem. Mas os nós vão sendo desfeitos com o ritmo do nascer do sol seguido do poente. A vida vai se revelando mais leve,alegre.
A escrita entra como aliada da personagem a certa altura da história. E,em Daramshala,na Índia,Mariana encontra uma monja que a inspira. Na nossa troca de e-mails contou que ela existe,“é uma das mulheres que eu mais admiro nesse planeta” e se chama Tenzin Palmo. Esse texto acaba aqui. Espero que ele te leve para o começo desse livro transformador. Depois me conta se gostou tanto quanto eu,@carolchagas.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro