'Newstalgia' é tendência entre a Geração Z — Foto: Shutterstock
GERADO EM: 24/11/2024 - 11:12
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Na canção “O tempo não para”,lançada em 1988,Cazuza escreveu “eu vejo um museu de grandes novidades”. Mal sabia ele que,em 2024,essa frase seria tão atual. Prova disso é a “newstalgia”. Alvo de diversas abordagens pelos pesquisadores de tendências on e off-line,o movimento ganha cada vez mais destaque,da moda à música,passando pelo décor.
A publicitária Mari Galindo,dona da agência Nice House,onde trabalha diretamente com criadores de conteúdo para o TikTok,é uma estudiosa do assunto. “A Geração Z carrega em si um sentimento apocalíptico. Nasceu e cresceu num contexto de crise permanente,sendo muito impactada pela questão climática e por uma certa desesperança”,analisa. “Por esses motivos,costuma olhar para o passado como um lugar em que as coisas deram certo.”
Ela cita alguns exemplos como evidências. “Mais de 70% das listas do Spotify são recheadas de música dos anos 1960 e 1970. Há também um boom de filtros analógicos,reverenciando a estética retrô,nas redes. O mais interessante disso tudo é o passado ser acessado por meio do digital,que tem a função de sintetizá-lo e relançá-lo. Assim surgiu o MTG (forma abreviada de montagem),que pinça músicas da MPB,em geral,grandes sucessos nos anos 1990 e 2000,e as mistura com batida de funk. De tanto viralizar,acabaram virando um gênero musical”,observa.
Criadora de conteúdo e compositora,a goiana Nina Baiocchi,de 25 anos,identifica-se com a estética vintage. No seu perfil do Instagram,onde tem dois milhões de seguidores,publica vídeos com elementos de outros tempos. “Sou apaixonada por cenários das décadas 1950 e 1960. Acho que,atualmente,tudo está muito igual,minimalista. Os ambientes antigos nos levam para um lugar quentinho”,explica. “Trazer a nostalgia para esse mundo em que tudo parece frio,seja na estética ou nos temas abordados,dá uma sensação de conforto e acolhimento. Estamos vivendo essa volta.”
Ela também procura dar visibilidade a mulheres de outras gerações,que merecem “o protagonismo”. “Faço vídeos com a minha avó e mostro o contraste geracional.”
Quem também bebe dessa fonte é a estudante de Moda carioca Maria Annuza,de 22 anos. “Sou viciada nas décadas de 1920 e 1930. É melhor olhar para o passado do que para o futuro,que pode ser desastroso. A sensação que tenho é de que ninguém vai conseguir reformar o mundo,que o capitalismo está evoluindo mais e mais e que,devido à tecnologia,é impossível descansar”,reflete.
O escritor André Carvalhal acha positivo o resgate do passado,mas faz ressalvas. “É sintoma de um mundo em que não há a produção de nada novo. Dos anos 2000 para cá,há um mix de um monte de coisa. Funciona como reflexo do nosso tempo: a gente não olha para as nossas necessidades do presente nem para as do futuro,e o que devemos fazer para nos prepararmos para ele”,avalia.
Mari Galindo atribui à incerteza dos próximos anos a epidemia de ansiedade. “A Geração Z vai disputar mercado com a inteligência artificial. E isso causa surtos de angústia. É raro ver um jovem almejar passar dez anos na mesma empresa. Mas qual empresa deseja manter um funcionário por uma década?”
Melhor mesmo se inspirar no passado.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro