Painel em homenagem às meninas assassinadas — Foto: Domingos Peixoto
GERADO EM: 03/12/2024 - 17:25
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Em 4 de dezembro de 2020,no bairro de Gramacho,Duque de Caxias,Baixada Fluminense,as primas Emily Victória da Silva Moreira Santos,de 4 anos,e Rebecca Beatriz Rodrigues dos Santos,de 7,brincavam na porta de casa como tantas outras crianças da favela do Barro Vermelho. Era sexta-feira,por volta das 20h30. Policiais rondavam a comunidade. Um único tiro de fuzil matou as duas meninas. Na ocasião,o inquérito não conseguiu demonstrar a autoria do disparo,que moradores atribuíram aos policiais. Quatro anos depois,as famílias tentam a reabertura do caso,sob o patrocínio da Defensoria Pública,amparados pelo Projeto Mirante,iniciativa de pesquisa e extensão da Universidade Federal Fluminense,que desenvolve saberes e práticas para a investigação independente de violações dos direitos humanos.
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O direito à segurança,uma novidade inaugurada pela Constituição de 1988,segue como uma promessa irrealizada num país que conta em minutos o tempo entre um e outro assassinato. Em 2023,foram 46.326 mortes violentas,de maioria negra e pobre. Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância,elaborado em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública,mostra que 1.261 crianças e adolescentes foram assassinados no Estado do Rio de Janeiro,entre 2021 e 2023. A cada sete mortes violentas e intencionais de jovens,uma está relacionada à repressão criminal nas periferias e favelas. A política criminal baseada no confronto,além de ineficiente,representa um risco para o Estado de Direito,por incorporar o belicismo ao cotidiano e minar assim a democracia como um valor universal.
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Os assassinatos de Emilly e Rebecca ocorreram em plena vigência da liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal,nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635,com a qual se instituiu,pela primeira vez no país,um regramento das intervenções policiais. Na investigação dessas mortes,a Lei Estadual 9.180/2019,que determina prioridade na apuração de crimes contra crianças e adolescentes,foi ignorada. Tais desconsiderações sinalizam a resistência dos órgãos da segurança pública às tentativas de controle democrático. Esse comportamento tem raízes no período escravocrata,que formatou a sociedade brasileira e as suas instituições. O perpetuado racismo de Estado tem sido um imenso obstáculo à democratização dos aparelhos de segurança e à própria universalização da cidadania.
O desafio que as famílias de Emilly e Rebecca começam a enfrentar agora,na luta pela reabertura do caso,não é só por reparação judicial,diante do sofrimento indizível. Não esquecer os mortos é mais que fazer justiça às vítimas. A elucidação desses crimes é um ato da mais extrema necessidade para a democracia brasileira,sobretudo nesse tempo confuso e de ameaças golpistas. A esperança,que é a chave do futuro e a alma da política,se alimenta da memória e da justiça.
*Renata Souza,deputada estadual (PSOL-RJ),é autora da Lei Estadual 9.180/2019,Íbis Pereira,doutor em história pela Uerj,foi comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro
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