Mercado financeiro segue em dúvida sobre capacidade do governo de equilibrar contas públicas — Foto: Freepik
GERADO EM: 19/12/2024 - 23:46
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Depois de o dólar comercial atingir ontem um novo recorde intradiário,de R$ 6,30,mesmo depois de um leilão do Banco Central (BC) no mercado à vista,o pacote fiscal proposto pelo governo começou a avançar no Congresso,ainda que desidratado. O BC fez ainda uma segunda intervenção no câmbio,e a cotação do dólar finalmente caiu.
Recuo na escalada: Após maior intervenção do BC no câmbio desde 1999,dólar cai 2,3% e fecha em R$ 6,12Entenda: BC faz intervenção recorde no dólar. Mas,afinal,quanto o Brasil tem em reservas cambiais?
O dólar encerrou em forte queda de 2,32%,a R$ 6,1216,quando a Câmara dos Deputados já havia enviado ao Senado parte das medidas relacionadas ao pacote de corte de gastos,ainda que com algumas mudanças que reduzem o impacto fiscal esperado pela equipe econômica.
Plenário da Câmara dos Deputados vota projetos do pacote fiscal — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
Depois do fechamento do mercado,o pacote avançou ainda mais na Câmara e no Senado. A dúvida é será suficiente para acalmar o mercado hoje,após a escalada contínua do dólar nos últimos dias refletindo a perda de confiança dos investidores na capacidade do governo de equilibrar as contas públicas.
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No início da tarde de quinta,a aprovação do texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do pacote fiscal em primeiro turno na Câmara ajudou a levar o dólar à mínima do dia,em R$ 6,1045. Após o fechamento do mercado,os deputados concluíram a votação dos dois projetos e da PEC que integram o pacote fiscal.
No Senado só falta voltar nesta sexta um projeto de lei,o que prevê mudanças nas regras de reajuste do salário mínimo,além de ampliar a fiscalização para o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Ontem,os senadores finalizaram a votação da PEC que cria novas regras para o abono salarial (PIS/Pasep),restringindo o acesso ao benefício,e também amplia o uso do Fundeb. O Senado também ratificou a lei complementar que proíbe a concessão de novos benefícios fiscais em caso de déficit nos cofres públicos.
O economista-chefe da MB Associados,Sergio Vale,afirma que a aprovação do pacote fiscal não muda muito a percepção do mercado sobre a potência das medidas para reduzir a preocupação com a situação fiscal.
— O problema de base é o pacote em si. A aprovação apenas sinaliza resultados primários extremamente baixos e aquém do que precisava. Esse sabor de insatisfação do mercado vai permanecer — afirmou.
Para Vale,R$ 6 é o novo R$ 5 para a cotação da moeda americana e o “governo precisa tomar cuidado para os R$ 6 não virarem R$ 7”:
— O governo vendeu a ideia de que ia partir para um ajuste fiscal mais forte,mas o governo foi mais refratário à ideia do que o Ministério da Fazenda vendeu.
Economista-chefe da MB Associados,Sergio Vale — Foto: Claudio Belli/Agência O Globo
Segundo o economista,o mercado espera que haja,com um novo presidente em 2027,um ajuste fiscal “mais agressivo”,que deveria ter sido feito no início do governo:
— O Banco Central está fazendo um esforço histórico,usando reservas de forma agressiva para segurar o dólar entre R$ 6,10 e 6,20,usando um arsenal enorme. Mas chega o momento em que o arsenal se esgota. O governo não está se preparando para tempos difíceis.
Daniel Couri,consultor do Orçamento do Senado,afirma que a aprovação do pacote de corte de gastos,que já foi parcialmente desidratado no Congresso,traz um alívio de curto prazo,mas a preocupação com a trajetória da dívida continua.
— O governo poderia estar mais comprometido com o ajuste,tirar o pé do acelerador dos gastos. A situação fiscal não é trágica,mas o governo não está sinalizando que está preocupado com o futuro das contas públicas. O governo poderia,por exemplo,indicar que pretende gastar menos. Só disse que vai gastar o mesmo — avaliou.
Além do esforço concentrado do Congresso,o Banco Central também não economizou (literalmente) esforços para ampliar a oferta de dólares no mercado,o que favoreceu a queda da cotação da moeda americana. Fez nada menos que a maior intervenção diária no câmbio desde 1999,quando o país adotou o câmbio flutuante.
A primeira operação,anunciada na véspera,foi de US$ 3 bilhões. A segunda,que não estava prevista,foi de US$ 5 bilhões — ou seja,um total de US$ 8 bilhões.
Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo: atual e futuro presidente do Banco Central — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
Contribuíram para esse movimento as declarações do presidente do BC,Roberto Campos Neto,que ao lado de seu futuro substituto,Gabriel Galípolo,de que a autoridade monetária agirá “quando necessário”. No início da noite de ontem,o BC anunciou que fará mais dois leilões hoje,um de linha e um no mercado à vista. Veja aqui a diferença entre os dois tipos.
Apesar da queda de ontem,o real continua a ser a divisa mais castigada frente ao dólar,entre as moedas mais negociadas,com desvalorização de 26,15% acumulada no ano.
Para analistas,o pacote fiscal ainda não é suficiente para o governo recuperar a credibilidade junto ao mercado,que quer ver maior esforço para equilibrar as contas públicas e cumprir as metas fiscais e estabelecer um horizonte de redução do endividamento.
Para Danilo Zogbi,economista-chefe da Nomad,as declarações conjuntas de Galípolo e Campos Neto “sem dúvidas” ajudaram a aliviar a pressão sobre o dólar,mas ainda falta o governo fazer sua parte no lado fiscal:
— (Ainda) é um processo de desestresse (no câmbio),mas o Banco Central até o momento tem feito o seu papel de um jeito muito certo.
Alexandre Schwartsman,ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC,avalia que a autoridade monetária pode não conseguir manter este mesmo ritmo de leilões por muito tempo. Segundo ele,ainda que a moeda tenha sido contida hoje,o principal fundamento que afeta o câmbio não foi estruturalmente alterado,que é a política fiscal no país.
— Em algum momento você começa a ver a perda do ritmo. O mercado vai testar até quando o BC vai intervir na moeda. E quando sentir esse nível,a coisa vai ficar muito feia. Não adianta lidar com essa questão com intervenção. Teve um efeito de R$ 6,25 para R$ 6,12. Mas ainda está bem acima de R$ 6 — afirma o economista.
O economista Alexandre Schwartsman,ex-diretor do Banco Central — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Schwartsman também menciona que ainda há incertezas sobre a atuação do BC sob o comando de Galípolo. Isso porque,mesmo com mais duas altas na Selic já antecipadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na ata da última reunião,o cenário a longo prazo segue nebuloso.
— Na reunião de março,já sem (projeção),vamos ver o que é. E as incertezas até março podem causar pressão sobre a moeda — declara Schwartsman.
Igliori,da Nomad,avalia que apesar de a rapidez da tramitação das medidas ser necessária,é importante que novos ajustes sejam propostos:
— É importantíssimo que a PEC seja aprovada com a menor desidratação possível. Mas não acredito que seja o suficiente para reverter toda deterioração de expectativa que vemos.
Schwartsman também sinaliza que a trajetória da dívida pública segue preocupante mesmo com a aprovação e não enxerga que estas medidas possam estabilizá-la:
— O Congresso vai aprovar,(...) mas não muda o nome do jogo. A dívida é crescente,portanto,o prêmio de risco é crescente.
Ontem,o Credit Default Swap (CDS) de cinco anos,uma medida para o risco-país,subiu ao maior patamar em um ano e sete meses. Ele chegou a alcançar 223 pontos,mas caiu após as declarações do atual e futuro chefe do BC,e terminou o dia a 211 pontos. É o maior nível desde 31 de maio do ano passado.
O CDS é uma métrica que indica a possibilidade de calote por parte de um país ou ente privado. A alta do índice,sinaliza uma menor confiança. No ano,o CDS de cinco anos tem alta percentual de 59%.
Os juros futuros fecharam em queda ao longo de toda a curva. O movimento sustentou o Ibovespa,que recuperou parte das perdas de quarta-feira e encerrou em alta de 0,34%,puxado por ações de empresas voltadas ao mercado doméstico.
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