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Daniela Mercury é uma das estrelas do Montreux Jazz Festival em Miami e concede entrevista exclusiva para o Brazilian Times

Mar 1, 2024 News

A cantora, conhecida por sua fusão de gêneros, conquistou não apenas o coração do público brasileiro, mas também um lugar de destaque no cenário musical global.

Em meio à vibrante paisagem musical internacional, a renomada cantora brasileira Daniela Mercury, que é uma figura inigualável, unindo ritmos cativantes e com uma presença de palco magnética, estará em breve em um show nos Estados Unidos. Às vésperas da primeira edição do Montreux Jazz Festival em Miami, agendado para 3 de março de 2024, tivemos a honra de mergulhar nos pensamentos e experiências da talentosa artista, que nos concedeu uma entrevista exclusiva. 

O Montreux Jazz Festival, originalmente realizado na Suíça, expande seus horizontes para o cenário efervescente de Miami. Este evento é uma celebração da diversidade musical, proporcionando um ambiente único para a fusão de culturas e estilos, e a icônica Daniela Mercury é uma artista que representa a riqueza da música brasileira.

A cantora, conhecida por sua fusão de gêneros, conquistou não apenas o coração do público brasileiro, mas também um lugar de destaque no cenário musical global. Sua contribuição para a promoção da cultura brasileira transcende fronteiras, tornando-a admirada em diversas partes do mundo. 

Tive a honra de conversar com a cantora, relembrar momentos maravilhosos através de suas canções e sua jornada artística. Nesta entrevista exclusiva, exploramos a trajetória da cantora, suas inspirações, e a emoção de se apresentar no Montreux Jazz Festival em Miami. Prepare-se para uma viagem musical envolvente, guiada pela voz inconfundível de uma artista que continua a encantar e unir pessoas através da universalidade da música.

Brazilian Times: Como você está se sentindo em fazer parte da primeira edição do Montreux Jazz Festival em Miami e como você acha que isso impacta na representação da música brasileira internacionalmente?

Daniela Mercury: Marisa, eu fiz três anos diferentes do Montreux na Suíça, todos sold out, e a repercussão e receptividade foram enormes. A minha carreira sempre foi projetada para o exterior, desde o sucesso de “O canto da cidade”. Eu vim para NY em 1993, tive uma crítica excelente e fui fazendo mais coisas e fui vendo que tinha espaço para dialogar com o mundo e que a minha música tinha acolhimento, era muito bem recebida e celebrada como artista, trazendo um gênero novo. A metade da minha carreira foi fora do Brasil, eu sempre sonhei em rodar o mundo, sou bailarina desde criança, e o sonho era viajar o mundo com meu grupo de dança, e eu acabei realizando esse sonho cantando.

B.T.: O que a arte representa para você? 

Daniela: Fazer arte para mim é ter um objetivo, é querer dizer algo, não é só entreter, é buscar trazer a originalidade na arte, que é algo difícil e eu percebi desde muito cedo, que o que eu tinha de mais interessante era a minha cultura, a cultura da minha cidade que é rica, diversa, com muitas influências e que eu fazia parte daquele universo. E vim, sem perder a pureza e minha relação com a raiz, vim divulgando meu trabalho no mundo inteiro, me aperfeiçoando tecnicamente. Eu tenho músicos que estão comigo há muitos anos, super talentosos e reconhecidos. Eu venho trabalhando também com produtores internacionais no mundo inteiro, então assim, eu estou muito misturada com o mundo desde o começo da minha carreira. Foram mais de setecentas apresentações fora do País.

B.T.: Eu acompanho a sua carreira há muitos anos e, no passado que não tínhamos o acesso à Internet e Social Medias, a gente não tinha tanto essa percepção da carreia internacional dos artistas, então, no seu ponto de vista, você que também já ganhou Grammy, como é que você vê essa representatividade da música brasileira fora do Brasil? 

Daniela: A música brasileira sempre foi muito acolhida no mundo, desde sempre. O Brasil tem uma cultura tão diversa, tão rica, são tantas culturas no País, que produz distintos estilos musicais, tem muito a dar para o mundo em termos de criatividade, talentos, vozes, sotaques, timbragem, e de forma de tocar, né? A cultura popular brasileira é muito sofisticada. 

A gente está até comemorando mais de 100 anos da Semana de Arte Moderna, a Semana de 1922, e a música que eu fiz com José Celso Martinez que chama Macunaíma, fala muito disso, porque Mário de Andrade fez a primeira compilação do folclore brasileiro na época, há mais de cem anos e Mário inicia essa mapeamento da riqueza da música popular brasileira. Como sou uma artista urbana, sou produtora musical também arranjadora, compositora, e sou eu que concebo todo o meu trabalho, do começo ao fim, definindo cada detalhe, cada timbre, cada nota, cada corte, que é colocado. Faço com contribuição coletiva sempre, mas sob minha direção, para encontrar caminhos que não são óbvios, para não me repetir, pra não repetir o que tem no mundo. Aí eu me lembro de uma conversa que tive com meus músicos no primeiro festival de Jazz que participamos em Aruba, me lembro especificamente desse momento, foi em 1994, e eu dizia para eles, ‘o que a gente faz é único’. Fizemos shows na Suíça, Estados Unidos, México, Argentina, Itália e para entender o significado do que estávamos fazendo, eu disse pra eles que o que estávamos fazendo é como o Bob Marley para o Reggae, é a gente produzindo essa linguagem rítmica, esse ritmo criado no Brasil, que ganharam o nome de gênero de Axé, eu pessoalmente me sinto muito orgulhosa disso, porque só quem tem coragem que constrói algo novo. 

B.T: E já que você falou do Axé, como é iniciar algo novo?

Daniela: Quando a gente está construindo algo novo, todo mundo questiona se aquilo tem valor, pois aquilo não tem reconhecimento ainda e, internamente é mais difícil, dentro de um país tão grande, que os mediadores culturais tenham essa percepção do que estamos fazendo exatamente, principalmente no Brasil, onde quem é do Rio não conhece muito da música de quem é de São Paulo, etc. Os grandes centros culturais não prestaram tanta atenção para o que a gente fazia, apesar do Tropicalismo, apesar de João Gilberto, eles deveriam prestar mais atenção mas, demoravam a compreender, pois era algo novo que estava também se fazendo naquele momento.

B.T.: Qual o impacto da sua carreira internacional na concepção da sua arte?

Daniela: Hoje vejo que o trabalho internacional paralelo me ajudou muito a continuar num caminho, de pesquisa, de aperfeiçoamento e dentro daquela ideia primeira que era, misturar sambas, um pouco de guitarras roqueiras, porque eu sempre gostei de rock, mas com harmonias brasileiras ou de Bossa Nova mais sofisticadas, de MPB. Que eu fui fazendo fusões dos que eu gostava encontrando caminhos próprios, sempre fazendo muitos laboratórios para os meus álbuns. Lembro nos anos 2000, fui fazer um trabalho com Emilio Estefan e chegando lá os produtores todos disseram ter admiração enorme pelo meu trabalho e eu vi isso no mundo todo. As pessoas encantadas com “O canto da cidade”, com a “Música de Rua”. Eu expandi a carreira mas ao mesmo tempo não quis morar fora do Brasil, por causa da minha família, queria continuar fazendo arte pautada no Brasil, na Bahia, não queria perder essa relação então, tem sido bastante desafiador. 

B.T: Para mim e para milhares de pessoas, existe uma memória afetiva bem alegre quando lembramos da chegada do Axé à São Paulo e muitas letras, como a de “o canto da cidade” davam uma sensação de poder e alegria muito grande para quem cantava e, música, é isso, é mensagem. Como você faz essa triagem do que quer transmitir, sendo que centenas de compositores espalhados por ai? 

Daniela: Eu mesma acabo escrevendo, primeiro sobre o que eu quero falar no álbum, às vezes peço a alguns compositores que desenvolvam algo relacionado com o que eu estou querendo. E normalmente eu uso mais a intuição. Tem aquelas músicas que não sai da cabeça, pela beleza dela e nem eu sei porque que gosto tanto. É assim, se eu não tiver vontade de cantar também não adianta, é impressionante, porque eu não tenho como brigar com meu coração, com minha alma, com meu espírito, com minha mente, porque racionalmente posso até gostar daquilo, mas eu não consigo cantar. Eu preciso cantar, aí eu analiso se quero só ouvir ou se eu quero ser ponte daquilo, ser o meio de transporte da música. Se a gente não se emociona, não emocionamos o outro.

B.T: O seu repertório é vasto, mas os shows tem limite de tempo. Como decidir o que vai cantar nos shows, e principalmente agora em Miami?

Daniela: Pra mim é sofrimento, uma hora de show pra mim é muito pouco, geralmente meus shows são de duas horas e meia. Aqui quero compilar um pouco dos meus 40 anos de carreira, trazer grandes canções, como “Swing da Cor”, “Música de Rua”, ao mesmo tempo eu não quero deixar de apresentar, “Macunaíma” que é muito forte, é uma canção interessantíssima que é afro  beat misturado com com Axé. Assim a gente costura um arranjo muito interessante. “Macunaíma” é um clássico da literatura brasileira e a gente sempre tenta traduzir historicamente como brasileiro. 

B.T. Você é ativista e muito engajada com os Direitos Humanos, fale um pouco da importância deste trabalho. 

Daniela: Eu sou membro da Comissão Arns, sou do observatório dos Direitos Humanos, é um trabalho voluntário, sou também embaixadora do Unicef desde 1995, dentre outras atividades, então pelo menos quarenta por cento do meu tempo é em função dos direitos humanos. A minha arte traz esses questionamentos, porque é meu diálogo com o meu tempo. “Macunaíma” por exemplo traz essa questão muito atual dos povos indígenas, das lutas pelos territórios, das retratações em relação ao povo negro, e toda o racismo estrutural, essas são questões que eu sempre trouxe elas comigo nas minhas canções. E as minhas canções tem essa relação social mesmo, política né? Meu trabalho é muito político, interessante pensar que é como a tristeza está dentro da alegria, um lado questionador. Eu trago nas minhas canções as questões do mundo, nem todo Axé é assim, ou a MPB ou outros, muitos gostam de cantar sobre si, eu sempre estou falando do mundo e não sobre mim, a não ser quanto são questões sobre a mulher e o LGBT, aí eu trago, a minha representatividade. É impossível ficar dissociada da luta, principalmente quando a democracia enfraquece, as primeiras a perderem os direitos são as mulheres.

B.T.: Eu tenho muitas lembranças boas de suas músicas, e com certeza ficaria muito feliz de ouvir em um show, outras pessoas com certeza tem outras opções. Existe uma que seja impossível não deixar de cantar e estará no show de Miami?

Daniela: Acho que “O canto da cidade”, eu deixei de cantar por um tempo, mas ela está sempre presente, nem que seja como uma menção. Como eu estou comemorando os trinta anos do lançamento do álbum, aliás, pouco mais do que trinta, ela está sim no corpo do show. É uma música que todos lembram de mim, assim como “Rapunzel”, então eu estou brincando um pouquinho com a cronologia da minha carreira. Em Miami eu vou começar com esse meu “DNA” e depois vou mostrar as derivações das coisas mais recentes como “Mulheres do Mundo”, “Macunaíma”… e para completar estou levando meus quatro bailarinos, vários músicos convidados.

B.T.: Ouvindo você falar me relembra momentos maravilhosos de alegria, porque você fez a alegria de um povo e esbanja muita felicidade… 

Daniela: Continuo com essa meta! Alegria é muito séria, o mundo está precisando de mais alegria, amor e esperança, e não é a alegria superficial, não é qualquer alegria, deve ser uma consistente. Porque você tem êxtase a partir de uma luta, de um objetivo, você tem felicidade por algo que você conquista e não vem do nada. Tem uma música minha que diz que a alegria é a resposta pra dor. Temos desigualdade, a discriminação, então eu canto alegria porque eu preciso dela. Pra alimentar minha fé no ser humano na humanidade também. Então meu povo faz isso muito comigo, me ensina a cantar, e através da música da arte, elaborar todos esses sentimentos, todas as nossas contradições, as dificuldades da vida, não esquecer que a gente precisa de uma dose de esperança, de alegria, de felicidade sim.

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