Norte-coreanos participam de evento promovido pelo governo no aniversário de 74 anos do início da Guerra da Coreia,em Pyongyang — Foto: KIM Won Jin / AFP
Um relatório divulgado pelo governo da Coreia do Sul na quinta-feira acusou o regime norte-coreano de apertar o cerco a valores e demonstrações culturais vindas do Ocidente e,especialmente,do vizinho ao sul. O documento,do Ministério da Unificação,apresenta relatos atribuídos a dissidentes que incluem uma suposta execução de um jovem flagrado assistindo filmes e ouvindo canções de artistas sul-coreanos.
“Em 2022,vi uma execução pública em uma mina na província de Hwanghae do Sul”,diz o relato,feito por um homem que desertou para a Coreia do Sul em 2023. “[O réu] era um trabalhador rural de 22 anos,e um juiz no local da execução disse que ele era um ‘fantoche’ [da Coreia do Sul],e que tinha sido preso depois de ouvir 70 músicas e ver três filmes.”
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Em outro caso,relatado por uma mulher que desertou da Coreia do Norte no ano passado,as autoridades exibiram um vídeo sobre a chamada Lei de Rejeição Cultural de Ideologia Reacionária,adotada em 2020 e que prevê punições duras a quem consumir música,filmes e novelas de países considerados hostis,inclusive a pena de morte.
Segundo a norte-coreana,o vídeo afirmava que noivas usarem vestidos brancos no casamento,e serem carregadas por seus noivos na cerimônia,“eram exemplos” de atitudes reprováveis. Tradicionalmente,os casais usam terno e hanbok,um vestido típico coreano,quando se casam no país. O vídeo decretava ainda que beber vinho em taças,usar vários acessórios ao mesmo tempo,incluindo óculos escuros,eram ações “reacionárias” — o líder do país,Kim Jong-un já foi filmado e fotografado em diversas ocasiões usando óculos de sol.
— Temos outros testemunhos de que esse conteúdo foi incluído no material da palestra sobre a Lei de Rejeição Cultural de Ideologia Reacionária,criada pelas autoridades norte-coreanas — disse à Yonhap um representante do Ministério da Unificação. — Ao contrário do líder supremo,existe a percepção na Coreia do Norte de que cidadãos que usam óculos comuns são reacionários.
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Relatos sobre a perseguição a pessoas que consomem músicas,novelas e séries sul-coreanas no Norte não são novos. No passado,quando os materiais eram disponibilizados apenas na forma de CDs e DVDs,dissidentes afirmavam que as autoridades,antes de fazer uma operação,desligavam a luz em uma determinada área para impedir que as pessoas retirassem os discos dos aparelhos.
Com o passar do tempo,os CDs foram substituídos por pendrives,e mandados até através de balões pela fronteira,uma estratégia retomada com força recentemente por grupos contrários ao regime,para uma audiência cada vez mais cativa e aparentemente alheia aos riscos.
— Não sei se deveria dizer isso,ou se posso dizer,mas eles conhecem todas nossas músicas. Não sei se eles deveriam mostrar que conhecem [nossas músicas],mas eles vinham ao banheiro,secretamente,e diziam “ei,sou seu fã” — afirmou,no ano passado,a cantora sul-coreana Ailee,que fez uma rara apresentação em Pyongyang,em 2018,como parte de uma iniciativa de reaproximação entre os dois lados do Paralelo 38.
Desde o fracasso das negociações entre a Coreia do Norte e os EUA,então comandados por Donald Trump,em 2019,o regime liderado por Kim Jong-un tem se distanciado de iniciativas de normalização com o sul,algo agravado durante o isolamento durante a pandemia da Covid-19. Em 2020,um escritório de contato na fronteira entre os dois países foi explodido,e os poucos canais diretos foram sendo eliminados,inclusive entre os comandos militares. Em janeiro,Pyongyang abandonou formalmente o objetivo da reunificação e determinou que a Constituição fosse alterada para designar a Coreia do Sul “o principal inimigo”.
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Neste período,normas mais duras de controle da sociedade,e de imposição de valores coreanos foram adotadas — uma delas,de 2023,impede o uso de expressões do dialeto sul-coreano,que é distinto do falado hoje no norte. Assim como a regra relacionada ao K-Pop e a comportamentos “reacionários”,a legislação prevê a pena de morte em determinados casos. No relatório do Ministério da Unificação sul-coreano,há relatos de dissidentes sobre fiscalizações aleatórias de telefones celulares de cidadãos,para verificar se estão usando expressões ou gírias vetadas.
Diante do pouco grau de transparência do regime,e virtualmente sem o acesso a informações obtidas de forma independente no país,o próprio Ministério da Unificação reconhece as dificuldades para se confirmar os relatos dos dissidentes — não são raros os casos em que informações até certo ponto bizarras vindas da Coreia do Norte são divulgadas como se fossem verdade e replicadas por veículos de comunicação mundo afora,mas que jamais são confirmadas ou se revelam falsas posteriormente.
Pyongyang não se pronunciou sobre o documento.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro