Vestígios do Vital de Oliveira encontrados no fundo do mar mostram o que parece ser um sapato de marinheiro dentro do casco — Foto: Foto: Agência O Globo
GERADO EM: 14/07/2024 - 04:30
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Os sobreviventes se amontoavam como podiam nas sobras do Vital de Oliveira ou em restos da carga,que flutuava aos pedaços. Uma única baleeira e poucas balsas puderam ser usadas para receber os náufragos. A maior parte das embarcações salva-vidas foi para o fundo ainda presa ao casco,pela rapidez com que o Vital submergiu,como se estivesse se esfacelando por dentro.
Um dos depoimentos mais impressionantes desses momentos de agonia é o do sinaleiro Oscar Gabriel Soares,reproduzido no livro “Flores ao Mar”:
— Desci no vácuo (redemoinho) feito com a descida rapidamente do navio. Lutei debravadamente (...). Eis que surge na minha frente um vulto. Tratava-se de uma das tábuas que o navio conduzia. Agarrei-me e fui trazido à tona. Respirei aliviado. Parecia ter voltado ou saído de uma sepultura.
Só que a luta contra a morte ainda não havia terminado. E eles mal podiam imaginar quanto tempo ainda teriam que esperar por resgate. A única certeza era que o Javari,responsável pela escolta,não estava por perto para protegê-los na hora mais crítica.
Foram pelo menos nove horas de desamparo no mar,tendo que suportar os ferimentos e enfrentando a água gelada e a escuridão. Apenas na manhã seguinte os náufragos foram avistados por dois aviões dos Estados Unidos,que patrulhavam a costa do aliado brasileiro. As aeronaves deram alertas com indicações para embarcações nas proximidades,de forma que a manobra de resgate pudesse chegar ao local exato onde estavam os sobreviventes. Foi só depois disso que o Javari reapareceu.
Um dos militares que mais demostraram heroísmo e ajudaram a salvar vidas naquela noite foi o então segundo-tenente Osmar Dominguez Alonso,encarregado de navegação. Ao lado do comandante,João Batista de Medeiros Guimarães Roxo,ele teve papel de destaque na operação de fuga. Diversos depoimentos indicam que Alonso foi de fato um dos últimos a abandonar o navio.
Em um relato com suas memórias na Revista Marítima Brasileira,publicação de referência da Marinha do Brasil,ele detalha o drama da saída do Vital,as dificuldades ao longo da espera pelo socorro e também a frustração por nunca ter conseguido saber o que de fato levou o Javari a se afastar tanto durante a noite. Depois de 50 anos perseguindo a verdade,Alonso conta que desistiu:
– Desconheço as conclusões do IPM (Inquérito Policial-Militar) aberto em decorrência do torpedeamento. Jamais ouvi algo a respeito e,assim como não encontrei o relatório do comandante do Javari,também não encontrei esse IPM,por mais que o tenha procurado (...).
Nesse relato,ele diz que se sente recompensado por ter seu nome “citado de maneira tão honrosa na História Naval Brasileira”,mas reconhece que algo “deixou de ser feito” pela memória dos que estiveram naquele episódio trágico da Marinha do Brasil,como costumam proceder outros países na homenagem a seus veteranos e aos militares mortos em conflito.
Consultada pelo GLOBO a respeito do IPM,a Marinha informou que “não foi recolhido ao Arquivo da Marinha na Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha referido inquérito” e indicou fontes alternativas sobre o caso,como “periódicos da época” e “relatórios ministeriais”. Não existem,contudo,em domínio público referências explícitas às conclusões do IPM. Para os sobreviventes,como Osmar Dominguez Alonso,é como se a investigação não tivesse chegado a lugar nenhum ou mesmo nem acontecido.
O mergulhador Domingos Afonso Jório diz que é possível observar com clareza a popa destruída no ataque do submarino do regime nazista. Segundo ele,embora a região no entorno seja lamacenta,o local de pouso do Vital de Oliveira acabou sendo justamente numa área de calcário,que é mais firme.
– Tudo indica que ele “bailou” na água ao afundar,pois a proa (frente do navio) está apontada para Norte,quando,na verdade,no momento do ataque ele navegava para o Sul,em direção ao Rio de Janeiro – diz Afonso.
Em apoio ao time de mergulhadores que encontrara os escombros,juntaram-se o diretor e roteirista Rodolfo Silot e o advogado e também mergulhador Ricardo Sanfim,com o objetivo de avançar na pesquisa e documentar a descoberta.
– Quando fotografamos o Vital de Oliveira submerso,foi flagrante o silêncio após vermos as imagens e o identificarmos. Nas horas do percurso entre o local do mergulho até a terra,era possível perceber o senso de reflexão. Uma mistura de paz e emoção. Finalmente,aqueles que sucumbiram no naufrágio ganhariam vida novamente,mas agora eterna,após tantos anos esquecidos – relembra Silot.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro