Bar do Arnaudo,em Santa Teresa,famoso pela comida nordestina,fechou durante a pandemia — Foto: Foto do Leitor
GERADO EM: 25/07/2024 - 04:30
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Em um intervalo de quatro dias,o bairro de Santa Teresa sofreu um baque com a perda de dois personagens simbólicos e referências da região. Os comerciantes Arnaudo Gomes,dono do Bar do Arnaudo,e Diógenes Paixão,do Bar do Mineiro,morreram no último sábado,e nesta terça-feira,respectivamente. O vazio foi sentido pelos vizinhos e amigos de bairro.
Perto dos 115 anos de Burle Marx,conheça lugares com jardins ou obras de arte do paisagistaDiógenes Paixão,deixa amigos e clientes órfãos com sua partida e grande coleção de obras de arte
— Eu estou me sentindo meio órfão. O meu bar fez 40 anos. Moro há mais anos ainda aqui. Vejo esses meus parceiros indo embora e me sinto meio já no caminho,sabe? — diz,num mix de brincadeira com lamento,Paulo Sérgio Paes de Barros,o Serginho,do bar que leva seu apelido. — Hoje temos uma centena de bares novos,mas éramos as mobílias mais antigas.
Arnaudo Gomes,em 2016 — Foto: Antonio Scorza/Agência O Globo
Além de morador antigo,Arnaudo era muito conhecido entre os vizinhos: antes do bar,entregava pão e vendia leite de porta em porta. Com o botequim,aberto em 1970,ele consolidou um point de comida nordestina que virou referência para quem subisse as ladeiras.
Em 2015,quatro anos depois do acidente com o bondinho que deixou seis mortos,o negócio já sentia os efeitos da falta de clientes provocada pelas obras. O bar fechou em 2019,quando o Arnaudo se mudou para o interior do Rio. O espaço passou por obras neste ano e deve reabrir com outras atividades e nova direção,sem relação com o seu Arnaudo.
Na última terça-feira,a partida de Diógenes Paixão,dono do famoso Bar do Mineiro,deixa uma legião de clientes — e fãs de sua história de vida — órfãos. Nas redes sociais,amigos,entre eles estrangeiros que conheceram o bar que é referência em Santa Teresa,lamentaram a perda. O comerciante,de 84 anos,estava internado havia um mês no Hospital Quinta D'Or,na Zona Norte do Rio. O corpo dele foi velado e enterrado em Carangola (MG),sua cidade natal.
Segundo a coluna de Ancelmo Gois,amigos e parentes de Diógenes pretendem fazer uma homenagem ao dono no comércio que leva o seu nome. Além disso,por conta do falecimento,o Bar do Mineiro fechará as portas por alguns dias.
Mineiro em frente ao seu bar,no pós-pandemia — Foto: Maria Isabel Oliveira
Diógenes Paixão é lembrado com carinho por centenas de figuras da gastronomia carioca. E seu saber não estava restrito ao comércio e à premiada cozinha do bar que se transformou num ícone de Santa Teresa. Colecionador de histórias e obras de arte,o mineiro encantava a todos que paravam para ouvir seus "causos". "Amava quando ele sentava na nossa mesa para uma ótima conversa. Vou sentir muitas saudades das suas histórias e do seu carinho",disse a chef Flavia Quaresma,na internet.
E o mineiro era um apaixonado pelo Rio. Passou 62 anos na cidade,pela qual nutriu um "amor à primeira vista". Assim que deixou Carangola,nos anos 1960,decidiu se aventurar no lugar que classificava como “a cidade mais bonita do Brasil”. E,aos risos,dizia "Sou carioca! O único detalhe é que eu nasci em Minas".
Paixão morou no Centro e em Copacabana,até que há mais de 50 anos atrás se estabeleceu em Santa Teresa. O comerciante tinha um apego especial às belezas naturais da cidade e mantinha um apartamento em Ipanema,na Zona Sul,para aproveitar as tardes de sol na praia.
A boemia,por sua vez,era mesmo em Santa Teresa. O Bar do Mineiro,fundado por ele em 1992,se transformou num ponto de encontros casuais e passou a ser frequentado por moradores,artistas,turistas. Ao longo dos anos,o proprietário passou a disputar com as obras de arte penduradas na parede o posto de principal atração de seu próprio bar. Ex-marchand,era um dos maiores colecionadores de quadros de Alfredo Volpi no Rio de Janeiro,especialmente os da série Bandeirinhas. Paixão e Volpi se conheceram na década de 60,e o artista pintou alguns quadros para o amigo.
Outras obras de arte originais,entre as quais quadros de Raimundo Colares,Rubens Gerchman,Rubem Valentim,entre outros,foram conquistados com o salário de Diógenes Paixão da época que atuava como funcionário do Banco do Brasil.
Parede do Bar do Mineiro,com parte de sua coleção de obras de arte — Foto: Leo Aversa
Em 2015,Mineiro foi tema de um filme de Norbert G Suchanek,"Diógenes Kunst - Um filme sobre o mineiro de Santa Teresa". No filme,soltava declarações sobre sua amizade com Roberto Burle Marx,viagens e a paixão pelas artes. Anos antes,em 1988,ele foi homenageado pela TV Corcovado num episódio do programa "Arte é investimento",de Soraia Cals.
Nos últimos tempos,antes de sua internação,Paixão parecia se despedir,pouco a pouco,da vida que se deliciava ao viver. Segundo amigos,ele caminhava de sua casa,na Rua Aarão Reis,até uma espécie de dependência próxima ao bar. Ali,contemplava as paredes cheias de lembranças que colecionou ao longo da vida.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro