Lateral-esquerdo Muhammad Rizki Saputra acerta soco em juiz — Foto: Reprodução
GERADO EM: 21/09/2024 - 05:00
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Em nossa infinita highway digital — um vídeo depois do outro depois de um — de repente aquele parou na minha frente. Um jogador oriental desarma outro na área. Na bola. Não há vestígio de falta. O juiz marca pênalti. E corre na direção da marca de cal. No meio do trajeto é interrompido por uma espécie de giga-murro na cara. Desmaia no chão. Nocaute. O comentário surgiu na hora:
— Foi marçalizar... acabou datenado.
O justiçamento do juiz viralizou como a cadeirada política. As redes sociais satisfazem nossos instintos mais primitivos — e a vingança pretensamente justa é um deles. Quantos vídeos de CPF cancelado ou ladrões apanhando você já recebeu? Não importa a vertente — a ira santa conversa conosco. E o futebol tende a ser microcosmo do que somos como país,planeta e espécie.
O juiz ladrão é um personagem invencível de nosso imaginário. Não tem segunda instância — ele opera na nossa frente e sempre contra o nosso time. É o vilão pronto e acabado. Pense o leitor por um instante: será que todos os árbitros são realmente servos de um sistema que a tudo e todos manipula? Ou será que,aqui e ali,como em toda profissão,existem os malandros — que jogam contra a reputação geral?
Fato é que estamos tão condicionados por anos de suspeita que,quando a ação é escancarada,nosso muro civilizatório tende a ceder. A indignação alimentada por eras transborda. A ironia do debate de São Paulo foi essa: quem com meme fere... com meme pode ser ferido. O candidato que vivia de recortes foi desnorteado por um mega-meme não planejado. A combustão do agressor soou mais espontânea que todas as provocações anteriores do influcoach.
A raiva é parte de nossa herança animal. O soco do lateral-esquerdo Muhammad Rizki Saputra correu o mundo porque é o soco que todo jogador ou torcedor já quis dar num juiz ladrão. Ali,naquele vídeo,éramos todos Capitão Nascimento espancando o político safado.
O jogo aconteceu num campeonato regional em Banda Aceh no sábado passado. Saputra defendia a seleção de Sulawesi Central contra Aceh pelas quartas de final da semana esportiva da Indonésia. Sulawesi vencia por 1 a 0 no acanhado Estádio H. Dimurthala e o juiz,o nobre Eku Agus Sugih,fazia força para que o time da casa empatasse. Já expulsara dois atletas de Sulawesi e,aos 51 do segundo tempo,inventou o penal.
Foi tão acintoso que o jovem Saputra se sentiu autorizado a fazer justiça com os próprios punhos. Quando Sugih passou na sua frente — ele nem pensou. Fechou a mão e deu com vontade. O juiz caiu desacordado e deixou o gramado de ambulância. A ética arquibalda vibrou. No Coliseu... era dedinho pra baixo.
O abuso ou roubo contra o nosso time ou candidato vai sempre provocar nosso Roberto Jefferson interior. Saber que isso é errado,recolher o soco e administrar a frustração,é a fronteira da civilização. Por mais libertadora e extasiante que seja a reação... ela não é aceitável.
Saputra pode receber uma suspensão vitalícia. Sukih vai ser investigado por manipulação de resultado. O time de Aceh empatou o jogo (1 a 1) com o penal... e se classificou. A repercussão foi tão negativa que,na fase seguinte,eles perderam para Java – aparentemente de propósito — e se autodatenaram... da competição.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro