Pablo Marçal e Datena — Foto: Reprodução
GERADO EM: 19/09/2024 - 04:30
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Seria preciso estar morando em Marte,sem WiFi,para não acordar na segunda-feira sob impacto da notícia. Dois marmanjos,valendo-se da valentia dos machões,provocam-se em um debate político na televisão,até que uma determinada frase serve de estopim: “você não é homem nem pra fazer isso”,referindo-se a uma possível agressão física. Mas homem que é homem não leva desaforo para casa. O que detonou a reação violenta do candidato não foi o descontrole da Cracolândia ou o preço do transporte público,mas sim o questionamento quanto à sua masculinidade.
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Apesar de lamentável,o caso é educativo: o buraco da fragilidade masculina é bem mais fundo do que se imagina. Quem deu com a cadeirada no outro não foi um oponente político,mas o claudicante homem-branco-rico-heterossexual,o que sempre deu as cartas e agora está tendo que acionar o Waze interno e recalcular a rota da sua existência.
Não,eles não perderam poder,nem financeiro,nem político. Continuam no topo da pirâmide das empresas,são CEOs,deputados,chefes de Supremas Cortes. O macho adulto branco sempre no comando,como canta o Caetano. Mas a novidade é que agora esse tipo é forçado a dividir o espaço,escutar e concordar (ainda que discordando) com gays,mulheres e negros,grupos sociais que até outro dia eram alvo fácil das piadas sem graça de homens-brancos-heteros e ríamos,mesmo sendo vítimas,apenas para não sermos demitidos. Piadas que agora não podem mais ser contadas: são crimes. A decadência do homem-branco-hetero-rico tornou-se a própria piada.
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Senhores candidatos à Prefeitura de São Paulo,acabamos de estrear no TUCA,na cidade que postulam administrar,a peça “Dois de Nós”. Seria pedagógico se os senhores (todos eles,inclusive as mulheres) separassem uma hora e meia da sua semana atribulada de campanha para conferirem o que estamos dizendo no palco (aliás,como é raro ver autoridades em plateias de teatro,talvez isso explique muita coisa). Só não ofereço convites porque não há necessidade: tive a curiosidade de acessar a declaração de bens dos senhores no site da Justiça Eleitoral.
Antenado às pautas contemporâneas,Antonio Fagundes topou deixar de lado a imagem de “Rei do Gado” ou de “Dono do Mundo”,para encarnar,com brilhante bom humor,a crise do macho alfa. Na peça,ele interpreta justamente este homem: o que foi atropelado pelo tempo e se tornou anacrônico,obsoleto,o que foi ensinado quando criança a não chorar e a bater quando necessário (ainda que diante das câmeras).
Acuado,pouco afeito a dúvidas,alérgico a autoconhecimento,essa categoria de homem,está sendo obrigado,para não perder o pé da história,a se olhar no espelho e pensar (talvez pela primeira vez) o que significa ser homem. Os que toparem a jornada,chegarão à libertadora descoberta que vulnerabilidade não é fraqueza. Mas vai dar trabalho: dessa vez não é possível pagar ninguém – além de um terapeuta – pra fazer o trabalho sujo.
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro