Caso Marielle e Anderson: julgamento dos réus confessos Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz,que participaram remotamente,de dentro dos presídios — Foto: Gabriel de Paiva
GERADO EM: 31/10/2024 - 22:32
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A condenação de Ronnie Lessa,assassino confesso da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes,além de abrir caminho para a punição dos mandantes e a elucidação completa do crime — o de maior repercussão da história recente do país —,também tem uma importância simbólica. Até o caso Marielle,o ex-PM,apontado pela Polícia Federal e pelo MPRJ como um dos mais temidos matadores de aluguel do Rio,responsável por dezenas de assassinatos nas duas últimas décadas e ligado a chefes do jogo do bicho,milicianos e políticos,jamais havia sido condenado por um homicídio sequer.
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Até ontem,Lessa era um pistoleiro ficha limpa,um retrato de como o Estado brasileiro falha no esclarecimento de homicídios e na punição aos assassinos. No Rio,regra é a impunidade: só um a cada cinco homicídios é elucidado pela polícia,segundo um estudo do Instituto Sou da Paz; já outro levantamento,do MPRJ,mostra que só 3,5% dos casos são sentenciados. Além de não punir homicidas,o Estado também os treina e os municia. Os assassinos são oriundos dos quadros da PM do Rio e usaram munição desviada da PF.
Até chegar à sentença,os quase sete anos de investigação — com suas idas e vindas,obstruções,omissões e falhas — escancaram as conexões entre a criminalidade armada,a política e o comando da polícia. Após a entrada da PF no caso,Lessa decidiu contar o que sabia e apontou,como mandantes,dois integrantes de um dos clãs mais influentes da política fluminense: o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão e o deputado federal Chiquinho Brazão. Os tentáculos de ambos se espalham,até hoje,pela máquina do estado e do município,a partir de alianças e relações de compadrio.
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Lessa,em seu depoimento-bomba,ainda revelou que o responsável por garantir a impunidade do crime era justamente o responsável por investigá-lo: Rivaldo Barbosa,chefe da Polícia Civil na época do homicídio. Segundo Lessa,o delegado estava acertado com os mandantes antes do assassinato e,inclusive,deu diretrizes para garantir o sucesso da empreitada — ele teria determinado,por exemplo,que os executores não poderiam monitorar a vítima na Câmara dos Vereadores.
A partir do relato,a PF puxou o fio de casos em aberto deixados por Barbosa ao longo dos seis anos em que esteve à frente da Delegacia de Homicídios (DH) e descobriu uma série de indícios de sabotagem em investigações sobre homicídios em meio a disputas entre bicheiros — justamente os crimes em que pairam suspeitas de envolvimento de pistoleiros notórios,como Lessa e o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega. Inquéritos,como os que apuram os homicídios do bicheiro José Luiz de Barros Lopes,o Zé Personal,e do ex-presidente da Portela Marcos Falcon,passaram anos em gavetas de delegados e promotores,mesmo com provas abundantes sobre a autoria dos crimes. Até hoje,os casos seguem em aberto. Já Barbosa e os irmãos Brazão serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal.
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A participação de capos do jogo do bicho na indústria da morte carioca também veio à tona graças ao caso Marielle. Em meio à investigação do homicídio,enquanto ainda não havia provas sobre seus autores,o MPRJ se viu obrigado a se voltar para a atuação de bicheiros,como Rogério Andrade e Bernardo Bello,e seus sicários — que passaram mais de duas décadas disputando espaço pela cidade sem serem importunados. Foi o dinheiro do jogo ilegal que possibilitou a arregimentação,o treinamento e o financiamento de grupos especializados em matar,como o Escritório do Crime. À reboque do homicídio da vereadora,surgiram investigações que terminaram em mandados de prisões para os capos do bicho e dezenas de policiais associados. Após a morte de Marielle,conseguimos enxergar com mais clareza a engrenagem do crime no Rio.
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