Crime organizado lucra dez vezes mais com combustíveis,cigarros,bebidas alcoólicas e ouro do que com substâncias proibidas — Foto: Freepik.com
GERADO EM: 08/04/2025 - 20:14
O Irineu é a iniciativa do GLOBO para oferecer aplicações de inteligência artificial aos leitores. Toda a produção de conteúdo com o uso do Irineu é supervisionada por jornalistas.
CLIQUE E LEIA AQUI O RESUMO
Enquanto boa parte do Parlamento brasileiro e personalidades públicas se contorcem em retórica inflamada contra a descriminalização das drogas,os números revelam uma verdade incômoda que os populistas penais preferem ignorar: o crime organizado no Brasil lucra dez vezes mais com combustíveis,bebidas alcoólicas e ouro do que com substâncias proibidas.
Após denúncia da PGR: Juscelino Filho pede demissão do Ministério das Comunicações
Estudo recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública expõe a fragilidade do discurso punitivista. Organizações criminosas faturaram R$ 146,8 bilhões com produtos lícitos em 2022 e R$ 15 bilhões com cocaína. Esses números não são mera estatística — representam a falência de um modelo que criminaliza usuários enquanto ignora as verdadeiras artérias econômicas do crime organizado.
China x EUA:Xi Jinping entra em 'modo combate' e não dá sinais de que pretende negociar com Trump
Os mesmos que se opõem à regulamentação de drogas hoje consideradas ilícitas — mesmo aquelas cuja aplicação vai muito além do uso recreativo,como é o caso da Cannabis medicinal e do cânhamo industrial — em nome da “proteção da sociedade” silenciam diante da infiltração das facções nos mercados formais. O discurso moralista sobre substâncias psicoativas convenientemente esquece que o álcool e o cigarro — drogas legalizadas e culturalmente aceitas — são instrumentos mais lucrativos para as organizações criminosas.
Essa hipocrisia evidente produz um ciclo perverso. O encarceramento em massa de usuários e pequenos traficantes não apenas falhou em reduzir o consumo de drogas,mas transformou nossos presídios em universidades do crime,onde facções recrutam novos membros e ampliam seu poder. Enquanto isso,as grandes operações financeiras que sustentam o crime organizado permanecem praticamente intocadas.
Precisamos urgentemente de uma discussão madura sobre política de drogas,fundamentada em evidências científicas,e não em discursos moralizantes. Do mesmo modo,é imperativo reorientar o combate ao crime organizado para investigações de inteligência financeira que desarticulem seus verdadeiros fluxos de capital.
A guerra às drogas,como demonstram os números,é uma cortina de fumaça que desvia nossa atenção do real problema. Enquanto prendermos jovens negros das periferias das grandes cidades por portar pequenas quantidades de drogas,o crime organizado continuará sua sofisticada penetração na economia formal,corroendo instituições e ampliando seu poder territorial.
O Instituto Humanitas360,organização de que sou cofundadora e que presido há dez anos,é um testemunho de que existe alternativa aos descaminhos do nosso sistema prisional. Com ações e projetos destinados a presos e egressos,voltados ao conceito de empreendedorismo cívico-social e movidos pela certeza de que todos merecem uma segunda chance,hoje acompanhamos a jornada de reinserção social de vários. Algumas mulheres egressas são colaboradoras da marca Tereza,que nasceu num programa do H360 e hoje é um negócio social independente,que as capacita e gera renda — tendo uma delas,Flávia Maria da Silva,como CEO.
A justiça que queremos construir não se faz com hipocrisia,mas com coragem para enfrentar verdades incômodas e disposição para repensar modelos falidos. O caminho para uma sociedade mais segura passa necessariamente pela construção de alternativas à reinserção social,pela política de drogas baseada em saúde pública e por um combate ao crime que atinja suas estruturas econômicas,não apenas seus peões descartáveis.
*Patrícia Villela Marino é presidente do Instituto Humanitas360 e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República e do Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça
© Reportagem diária do entretenimento brasileiro